Quando chega o dia das mães todas aquelas representações femininas
tradicionais pipocam por aí. Fica difícil o alerta mental não piscar. Dando o
meu pitaco sobre isso confesso que muitas mensagens, propagandas e etc.
incomodam pra caramba. Começo pelo fato de que maternidade, mesmo que algumas
mulheres possam sentir como instintiva e intuitiva, é também uma construção
social em cima do feminino e isso não se pode negar. A ideia de uma mulher
fraternal, cuidadosa, preocupada, boa dona de casa, que cozinha bem e mantém os
filhos limpinhos estão intimamente ligadas à passividade criada em cima do
feminino dando liga à família “margarina”/patriarcal que conhecemos, onde o
privado (casa) pertence à mulher e o público (política, cargos de poder, etc.)
pertencem ao universo masculino. Claro que muita coisa mudou, mas não para a
maioria infelizmente. O tema maternidade tem se feito presente na minha vida já que perto dos 30 anos (meu caso) “naturalmente”
amigas começam a parir e familiares começam a questionar o seu desejo de maternidade. Dentro das pautas feministas também é um assunto muito forte.
Por esses motivos tenho percebido, mesmo entre mães esclarecidas e informadas,
uma reprodução ou reinvenção do velho estigma de “mães perfeitas”. Não quero entrar muito nessa discussão pois
ela pode ser longa e cansativa e como eu não sou mãe posso ser facilmente
questionada pelos grupos de mães ativistas (e que bom que elas existem!).
Porém, levanto a bola aqui se ao invés de reproduzirmos a super mãe heroína não
deveríamos também gastar mais energias para incentivar os super pais heróis
dentro do ambiente privado? Ou seja, não só aquele que leva pra jogar bola,
fica de legal na foto mas que deveria cuidar diretamente dos valores que são
transmitidos aos pequenos. Muitas coisas a se pensar ainda sobre o papel do
homem na criação dos pequenos e principalmente sobre suas ausências (mais frequentes
do que suas presenças).
Porque penso isso? Por gostar muito de crianças e abrir minha visão com relação ao tema tive uma das
melhores iniciativas pessoais nesse ano de 2015 (graças também a um amigo que
abriu portas): visitei um orfanato (e tenho visitado sempre que possível).
Isso rasga com tudo que vamos
construindo ao longo da vida com relação ao ideal de família feliz. O que é ser
pai, o que é ser mãe, o que é ter uma família legal... Os valores da modernidade foram todos calcados no ideal de família burguesa. Crianças em lares institucionais ou de adoção são a antítese disso. Qual então o lugar social delas?
Seria muito radical da minha parte
pensar que o mundo deveria ser uma família e cuidar de todos os pequenos? Isso
ficou muito forte ao conviver com essas crianças que foram abandonadas pelos
seus pais genéticos, ficou muito forte também quando passando pela praça da
República em São Paulo vi vários grupos de crianças de rua comportando-se como
adultos marginalizados pedindo dinheiro
ou comida. São crianças. São vulneráveis. Estão construindo suas personalidades
e referências mas são invisíveis para a maioria das pessoas que nesse mundo
vivem.
Meu apelo aqui é que ser mãe ou ser pai
não deveria ser uma atribuição única de quem os coloca no mundo pela via
biológica, ou mesmo de quem decide adotar uma ou duas crianças, dadas as
devidas proporções, claro. O que se evidencia ao conviver com essas crianças
marginalizadas pela sociedade é que todos nós somos e seremos referências para
elas, principalmente na falta de quem os proveu. A educação que você dá para o seu filho
biológico não pode se estender apenas ao seu ambiente, ou se você não tem e não
quer ter filhos, não pode fechar os olhos para o mundo que está construindo
para aqueles que virão depois de você. Sempre que na presença de uma criança é
importante refletir sobre nossos atos, nossos cuidados, pois eles não devem
cair em peso apenas sobre a responsabilidade de uma mulher, aquela que os
pariu. É fato: muitas mães já se arrependeram da responsabilidade, muitas mulheres
desistiram nas primeiras semanas de gestação, muitas meninas tiveram sua
juventude roubada porque a responsabilidade caiu apenas sobre os seus frágeis
braços. É importante perceber a tarefa árdua de ser mãe sem o apoio necessário que familiares e a sociedade deveriam dar. Somos todos responsáveis pelas crianças que estão no mundo e se você
anda fechando os olhos para os que estão ao seu redor, pedindo inclusive por
redução da maioridade penal, sinto muito. Se alguma coisa deu errado no caminho
das diversas crianças que nascem todos os dias, somos todos responsáveis. Óbvio que a alienação maternal existe, a omissão e falta de cuidados, etc. Bem sabemos por meio da psicanálise as implicações entre as relações pais e filhos mas a responsabilização prática recai apenas sobre as mãos femininas?
Vou além. Sou professora de
adolescentes. Isso se estende até os 18 anos no mínimo. Basta uma busca mental
e lembraremos o quanto fomos frágeis na adolescência, o quanto precisamos de
afeto, referências, opiniões até pouco tempo atrás... Sinto isso quando meus
alunos de 15,16 e 17 anos me pedem referências, abraços, palpites sobre suas
vidas pessoais ou então partilham segredos sobre suas vidas.
Tudo isso desemboca numa questão que
pertence à todos nós e não apenas aos educadores: a educação. Ouço todo mundo
dizer que a educação é a prioridade de todas as pautas para um mundo melhor mas
ela ocorre apenas nos bancos das escolas quando crianças são aglomeradas em
salas de aula?
Feliz dia das mães, pais, avós, tios,
primos, irmãos, amigos que sabem valorizar o esforço de uma mulher no cotidiano
dos pequenos e ainda assim olhar para os que estão ao redor refletindo sobre
escolhas e atitudes. Um beijo pra mulher forte da minha casa, com açúcar, com
afeto (ops! Açúcar não): minha mãe!
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