Ser
cientista social em um mundo caduco muitas vezes é complicado. É enxergar com
lupa o que às vezes alguns querem enxergar com óculos de sol. Mas esta lupa
acaba se tornando parte de nós...
Como
se já não bastasse as dores mais íntimas a que todo ser humano se submete desde
que nasce (amores, amigos, relacionamentos, famílias...) sentimos ainda o peso
de algumas incoerências coletivas nos atingirem de forma íntima. O que quero
dizer com isso é que um amor não correspondido me deprime da mesma medida que
os problemas que enfrento enquanto professora de sociologia na escola pública.
Não é algo do tipo: “Ah, madre Tereza agora?”.
Não. Quando você abre os olhos para
algumas coisas (e isto é um caminho sem volta) fica impossível ser passível
diante de algumas coisas. O problema, no entanto, não reside apenas aí.
Tenho a impressão de que vivemos em meio
à uma geração que vê as coisas de maneira extremamente fragmentada. Essa
fragmentação da realidade não é aleatória. Ela é própria do sistema
capitalista. Já dizia Karl Marx:
"Na produção social de sua existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem a um dado grau de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que lhes determina o ser; ao contrário, seu ser social determina sua consciência."
Significa então que é do interesse do capital que
não consigamos conceber a sociedade como algo global, histórico, temporal...e
vou mais longe além Marx: holístico.
Qual o maior problema disso? Unificar as
diferentes trincheiras de luta.
Na minha trajetória na universidade pública, no
mestrado, morando em São Paulo minha militância tinha um alcance muito
restrito, era aquela coisa cotidiana, limitada (e continua sendo na prática
diária), mas ao regressar ao interior me deparo com um novo contexto. Qualquer
militância gera um tipo de impacto público já que as resistências são mais
evidentes do que nas grandes cidades.
Defender o óbvio às vezes é visto como radical.
Simplesmente o óbvio. Mas para defender o óbvio é preciso mergulhar um pouco
mais fundo na razão. O que observo no interior, talvez pelo fato de que cada
cidade possui um ethos próprio, é o desestruturar de algumas ideias e bandeiras
sem nem mesmo tentarem dar um passo à frente. Esse ethos interiorano que
mistura o público e o privado de uma maneira bem problemática (seja pela
costumeira “fofoca” ou falta de compreensão do outro) muitas vezes é o
catalisador das precoces derrotas.
É da vontade do capital que a bandeira ambiental
não converse com a feminista, que a feminista não converse com a política de
esquerda, que a política de esquerda não se abra à discussão da legalização da
maconha, que a da legalização da maconha não converse com a do parto
humanizado, que a do parto humanizado não converse com o vegetarianismo, que a
do vegetarianismo não converse com a luta contra o racismo e etc.
Será que todos esses segmentos conseguem
encontrar um ponto em comum? Acredito este ser o maior desafio da transformação
social na realidade e na minha Itapetininga não é diferente. O que agrava essa
realidade aqui (na minha humilde opinião) é que muitas das pessoas
protagonistas nessas lutas não vislumbraram ainda uma outra realidade, não
navegaram em outros mares, não emprestaram os olhos dos outros e baseiam suas
diretrizes no nosso viver itapetiningano. Me desculpem, ele não é a melhor
referência.
A radicalidade está para além de um ato. Para ser
radical é preciso rasgar as teias que nos prendem: o machismo, o racismo, a homofobia,
a falta de consciência ambiental, etc. É um caminho pois nenhum ser humano se
encerra em si mesmo. E não dá mesmo pra ser conhecedor de todos os problemas da
noite para o dia. Mas ao menos é necessário ter uma meta: Se vou levantar uma
bandeira, jamais posso prejudicar aquela que caminha ao meu lado com as suas
demandas específicas. E encontrar pontos em comum nessa rede social é
imprescindível.
Ou vamos continuar a favorecer a fragmentação da
realidade e sermos eternos escravos do capital?
Se você sabe de que lado está sambando, o da justiça
social, não tem erro.
O seu texto beneficia o paradigma da complexidade! Meus parabéns! Demonstrar a visão fragmentada como uma imposição do capitalismo atual nos leva à necessidade da conjunção de pensamento/ação por um meta ponto de vista, como explica Edgar Morin.
ResponderExcluira questão da complexidade do Morin é mesmo bem interessante pra pensar isso Angelo
ExcluirÉ duro, mas necessário enxergarmos, mesmo sabendo de que lado estamos sambando, que estamos repetindo as estratégias de governo: "mantendo a divisão para o capital governar" e "contendo o conflito em nível secundário".
ResponderExcluirParabéns Thais, pela clareza de visão e didática de explicação!
exato Geraldo!
ExcluirOs movimentos de psdeusociais são fragmentos pela falta de diálogo devido à intolerância dos interesses. Seus membros, muitas vezes não tem clareza em suas bandeiras e quando se deparam com a luta alheia, acreditam que suas bandeiras são as mais importantes. No interior é pior frente à questão cultural. Pouco desenvolvida graça ao pensamento de condado. Em Itapetininga, especificamente, “a velha opinião formada sobre tudo” se perpetua nas relações entre pares, o que prevalece os impares da direita. Se “oracynogueiramos” as coisas, o pré-conceito itapetiningano é de origem dentro dos movimentos sociais, pois aqui tudo de se deduz até mesmo o lado que se samba.
ResponderExcluirTexto muito atual, perfeita leitura do que acontece em Itapê e os nossos pares não percebem.
Mauricio Hermann