sexta-feira, 18 de abril de 2014

De que lado você samba?

Ser cientista social em um mundo caduco muitas vezes é complicado. É enxergar com lupa o que às vezes alguns querem enxergar com óculos de sol. Mas esta lupa acaba se tornando parte de nós...
Como se já não bastasse as dores mais íntimas a que todo ser humano se submete desde que nasce (amores, amigos, relacionamentos, famílias...) sentimos ainda o peso de algumas incoerências coletivas nos atingirem de forma íntima. O que quero dizer com isso é que um amor não correspondido me deprime da mesma medida que os problemas que enfrento enquanto professora de sociologia na escola pública. Não é algo do tipo: “Ah, madre Tereza agora?”.
Não. Quando você abre os olhos para algumas coisas (e isto é um caminho sem volta) fica impossível ser passível diante de algumas coisas. O problema, no entanto, não reside apenas aí.
Tenho a impressão de que vivemos em meio à uma geração que vê as coisas de maneira extremamente fragmentada. Essa fragmentação da realidade não é aleatória. Ela é própria do sistema capitalista. Já dizia Karl Marx:

"Na produção social de sua existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem a um dado grau de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que lhes determina o ser; ao contrário, seu ser social determina sua consciência."

Significa então que é do interesse do capital que não consigamos conceber a sociedade como algo global, histórico, temporal...e vou mais longe além Marx: holístico.
Qual o maior problema disso? Unificar as diferentes trincheiras de luta.
Na minha trajetória na universidade pública, no mestrado, morando em São Paulo minha militância tinha um alcance muito restrito, era aquela coisa cotidiana, limitada (e continua sendo na prática diária), mas ao regressar ao interior me deparo com um novo contexto. Qualquer militância gera um tipo de impacto público já que as resistências são mais evidentes do que nas grandes cidades.
Defender o óbvio às vezes é visto como radical. Simplesmente o óbvio. Mas para defender o óbvio é preciso mergulhar um pouco mais fundo na razão. O que observo no interior, talvez pelo fato de que cada cidade possui um ethos próprio, é o desestruturar de algumas ideias e bandeiras sem nem mesmo tentarem dar um passo à frente. Esse ethos interiorano que mistura o público e o privado de uma maneira bem problemática (seja pela costumeira “fofoca” ou falta de compreensão do outro) muitas vezes é o catalisador das precoces derrotas.
É da vontade do capital que a bandeira ambiental não converse com a feminista, que a feminista não converse com a política de esquerda, que a política de esquerda não se abra à discussão da legalização da maconha, que a da legalização da maconha não converse com a do parto humanizado, que a do parto humanizado não converse com o vegetarianismo, que a do vegetarianismo não converse com a luta contra o racismo e etc.
Será que todos esses segmentos conseguem encontrar um ponto em comum? Acredito este ser o maior desafio da transformação social na realidade e na minha Itapetininga não é diferente. O que agrava essa realidade aqui (na minha humilde opinião) é que muitas das pessoas protagonistas nessas lutas não vislumbraram ainda uma outra realidade, não navegaram em outros mares, não emprestaram os olhos dos outros e baseiam suas diretrizes no nosso viver itapetiningano. Me desculpem, ele não é a melhor referência.
A radicalidade está para além de um ato. Para ser radical é preciso rasgar as teias que nos prendem: o machismo, o racismo, a homofobia, a falta de consciência ambiental, etc. É um caminho pois nenhum ser humano se encerra em si mesmo. E não dá mesmo pra ser conhecedor de todos os problemas da noite para o dia. Mas ao menos é necessário ter uma meta: Se vou levantar uma bandeira, jamais posso prejudicar aquela que caminha ao meu lado com as suas demandas específicas. E encontrar pontos em comum nessa rede social é imprescindível.
Ou vamos continuar a favorecer a fragmentação da realidade e sermos eternos escravos do capital?
Se você sabe de que lado está sambando, o da justiça social, não tem erro.

5 comentários:

  1. O seu texto beneficia o paradigma da complexidade! Meus parabéns! Demonstrar a visão fragmentada como uma imposição do capitalismo atual nos leva à necessidade da conjunção de pensamento/ação por um meta ponto de vista, como explica Edgar Morin.

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    1. a questão da complexidade do Morin é mesmo bem interessante pra pensar isso Angelo

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  2. É duro, mas necessário enxergarmos, mesmo sabendo de que lado estamos sambando, que estamos repetindo as estratégias de governo: "mantendo a divisão para o capital governar" e "contendo o conflito em nível secundário".
    Parabéns Thais, pela clareza de visão e didática de explicação!

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  3. Os movimentos de psdeusociais são fragmentos pela falta de diálogo devido à intolerância dos interesses. Seus membros, muitas vezes não tem clareza em suas bandeiras e quando se deparam com a luta alheia, acreditam que suas bandeiras são as mais importantes. No interior é pior frente à questão cultural. Pouco desenvolvida graça ao pensamento de condado. Em Itapetininga, especificamente, “a velha opinião formada sobre tudo” se perpetua nas relações entre pares, o que prevalece os impares da direita. Se “oracynogueiramos” as coisas, o pré-conceito itapetiningano é de origem dentro dos movimentos sociais, pois aqui tudo de se deduz até mesmo o lado que se samba.
    Texto muito atual, perfeita leitura do que acontece em Itapê e os nossos pares não percebem.
    Mauricio Hermann

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