Depois de tanto sentir, queria
colocar em palavras escritas o momento que estamos vivendo, talvez por respeito
à nossa história. Nesse sentido, teremos uma boa história pra contar.
Não foi o fato de sermos da
mesma região, ou termos passado parte de nossas vidas na mesma cidade antes de
nos conhecer que nos uniu. Isso foi uma boa desculpa para nossa amizade, mas o
que nos uniu foi o cinema. O cinema, que para mim é um prazer emocional e
intelectual, e que pra você, além desses aspectos, é observado em sua técnica também, esse sim
me uniu à você. Não foram as conversas de bar da nossa vida universitária, mas
sim o fato de ser você aquele que insistentemente organizava exibições de
filmes atrelados à disciplina de introdução à história para os alunos do
primeiro ano de Ciências Sociais.
Nas nossas conversas iniciais
logo descobrimos nossa paixão comum pelos filmes da Sofia Coppola, até aquele momento seriam eles Virgens Suicidas e Encontros
e Desencontros, este último como eterno preferido. Logo não poderiam faltas
as sessões de pipoca com chá mate. Nos virávamos como podíamos na época da
internet discada e o recurso era correr
atrás dos arquivos físicos...locadoras, cópias de dvd. Me lembro da sua atenção
assistindo Amélie Poulain, a meu pedido, mesmo não fazendo lá seu gênero
preferido... ainda não éramos um casal, mas ali me apaixonei. Na primeira vez
que você passou pela casa dos meus pais assistimos A viagem de Chihiro, comigo cochilando entre uma cena e outra. Você
sabe que eu durmo se começo a ver filmes depois das 22 horas, salvo algumas
exceções. Eu poderia citar muitos filmes que nos marcaram, que juntos pudemos
desfrutar de uma boa sensação. Você me apresentou Kurosawa, Godard, o Cinema Novo, o Neorealismo italiano (minhas
lágrimas inevitáveis com Ladrões de
Bicicletas) e o incansável Narradores
de Javé, tema da sua pesquisa, que por tantas vezes foi reassistido por
nós.
Passada a fase universitária
nossas aspirações cinematográficas cresceram quando viemos para a grande São
Paulo. Você veio antes e me apresentou a esse mundo novo onde parte da nossa
renda mensal é destinada à esse prazer de ver bons filmes na grande
tela...coisa que no interior não tínhamos acesso. Me lembro do meu primeiro
filme numa tarde de garoa no nostálgico cinema Belas Artes da Consolação: Em
Paris, com o colírio francês Louis
Garrel. Foram muitos no circuito Paulista/ Augusta. Todos eles pra mim, são
sobre eu e você. Se um dia nos faltarmos, esse com certeza será um dos meus
maiores vazios: não dividir nossos olhares e mãos durante a experiência
cinematográfica.
Finalizo estas palavras ,
aclamando o filme que considero “nosso” ,o sensível 2046. Me lembro da sensação inexplicável que aquela linda história
de amor, não tão famosa, me causou. Acho
que ali o meu amor por cinema em você se encontrou. Não foi por acaso, que foi
também o cinema que nos causou uma melancolia, e ao mesmo tempo uma emocionante
sensação, quando assistimos a última adaptação de Os Miseráveis. Este, nos trouxe a catarse dos nossos sentimentos
com relação ao momento que estamos vivendo.
Que venha um novo filme.
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