segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Marias e a franja

Estou cheia de afazeres pendentes mas me lembrei do blog. Na verdade deu vontade de postar depois de conhecer o blog da Mallu via Trabalho Sujo. E eis que me deparo com uma crônica que logo trouxe identificação. Sem mais deixo as palavras dela, Maria Luiza.
Foto que tirei no show do SWU ano passado.

Crônica da testa ambulante
Hoje levei minha testa para passear.
Acordei antes do sol nascer. Mas não assisti ao espetáculo de frente, apenas senti o apartamento iluminar aos pouquinhos. De qualquer maneira, eram 5:30, e ainda faltava tempo para abrir o comércio das ruas aqui de baixo. Ainda mais sábado.
Ainda em ritmo de gato, dediquei-me a banhar meu rosto de água fresca, lavando os poros com um sabonete em cuja propaganda caí como um patinho ( sem culpa ).
O caso é que, para aplicar o produto me foi preciso uns grampinhos que prendiam a franja ao coro deixando nua a testa.
A testa, essa sobre a qual já tanto escrevi, personagem de dilemas, questões e poesia minha. Chega a ser protagonista.
Abri, novamente os olhos e, pelo espelho, cumprimentei minha testa.
- Quanto tempo!
Foi quando decidi a levar para passear.
Deve ser muito chato, realmente, limitar-se à convivência com minha cabeça e inconsciente.
Pobre testa, que tantos anos esteve por tras dos fios de cabelo, sem ver o sol, as amendoeiras, as pessoas. Tanto tempo sem sentir a brisa da vida, sem olhar, perceber, sentir e sugar, nos poros, o mundo.
Mas hoje dei a ela o que ela queria: ser testa.
Ser, simples e puramente, como parte de um bicho.
Convenhamos, a testa há de ter uma função. Se não, o fato de ela existir dá, a ela, uma função, já por tal fato.
Este óbvio e imenso fato: a testa existe.
Então, lá fui eu e a testa, descendo a ladeira.
Senti-la me conduzir, como se andasse apressada, querendo desesperada e apaixonadamente recuperar o tempo perdido, o tempo que esteve escondida.
Eu cortei franja cedinho, não chegara aos dez anos, ainda.
Lembro bem quando tomei a decisão. Estava na sala de aula e a professora pediu que eu entregasse folhas sulfite, enquanto meu colega recolhia a atividade anterior.
Fui percorrendo os corredores formados pelas carteiras organizadas em fileiras, obedecendo à tarefa. Eis que veio meu colega, que, por ter começado um tanto antes e por ser, além disso, mais rápido, colar nas minhas costas para continuar seu trabalho.
Ele queria ir no mesmo sentido que eu, mas tinha outro ritmo. Eu era o obstáculo, estava na frente, atrapalhando seus movimentos.
Era o menino mais popular da série, o mais desejado, o mais bonitinho, bem vestido. Chegava a ter aqueles beiços avermelhados.
E lá estava montada a cena, ele querendo passar, brincalhão, extrovertido, querido, seguro, rápido, bonito, forte, grande ( éramos do mesmo tamanho físico ). E eu, insegura e existencial.
” olha a Maria Luiza, com a testa sem cabelo” – cantarolou a voz masculina que soava, alto e gigante na melodia de sambalelê, com letra adaptada à situação.
Acompanhavam petelequinhos nos meus ombros e, na segunda repetição da brincadeira-trilha-sonora, alguns tapinhas no bloco que eu segurava nos braços.
Na minha memória, aquela sala gigante foi banhada por gargalhadas aterrorizantes. E sou incapaz de realtar como foi realmente, uma vez que só sei mesmo da minha memória.
Hoje, chego a pensar que existe a possibilidade de ninguém ter nem sequer encutado, nem dado risada, nem ligado. Chego a achar que tanto fazia, para os outros, a minha testa.
Mas eu achava minha testa especialmente grande. De fato, comparativamente, exatos 4 dedos a mais que a da minha irmã.
Claramente um fator sem a menor importância.
Seja como for, o importante, hoje, é que hoje minha testa foi passear.
E foi na frente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário